domingo, 20 de junho de 2010

Minha missa

Toca o sino na igreja que sempre frequentei... Ela fica no alto daquele morro, as pessoas sobem por uma longa escada até chegar lá para ver a missa de domingo...
Eu me lembro que ás vezes minha avó fazia bolo de cenoura com cobertura de chocolate para levar para as missas, e depois do culto, nós comiamos... Era pouco bolo para muita gente, mas eu acho que todos ficavam satisfeitos não pela quantidade de bolo degustado, e nem pelo bolo ser bom, no final ficavam contentes por estarem reunidos em um lugar compartilhando a amizade.
Recordo-me de tantas coisas, dos meus livros amarelos, das minhas revistas, dos meus hérois favoritos, sinto saudades do Matt e do Rei do Crime... sinto saudade do cheiro do pão caseiro que minha mãe fazia, das brigas com meu irmão mais novo, saudades de muitas coisas, do som da pipoca que eu fazia para ver os filmes, da minha cachorrinha latindo para o vento... Eu lembro de quando eu era criança e achava que os fantasmas vinham me buscar a noite, quando na verdade era só os ratos andando pelo forro de casa.
Na faculdade as coisas estavam indo bem, alcançando as notas, comendo os pães de queijo... A vida seguia seu curso normal...
Mas hoje, ah! Eu posso até ver as coisas, mas não posso senti-lás e nem cheira -lás... Minha avó não faz mais os bolos... não depois que eu fui embora... Ninguém lê minhas revistas, será que ninguém quer saber como Elektra está se sentindo? Ninguém ouve os meus Cds, eles continuam lá, acho que ninguém gosta da Reeta Leena.
Quando eu era criança minha mãe cantava músicas para eu dormir e hoje ela não canta mais... Meu pai sempre trazia, todas as noites, um doce para mim... Meu irmão mais velho brigava comigo e o mais novo reclamava... Eu tenho dó da minha cama hoje, coitada da minha cama, era tão desejada por mim no inverno e tão odiada no verão, acho que ela nunca aguentou esse meu amor bipolar...
Tantas coisas que cairam no vão, tantas coisas que não posso mais sentir, agora só me resta esse enorme vazio...
Eu vou voltar a falar do sino... Hoje vi várias pessoas conhecidas irem para lá, eu também fui, mas nenhuma pessoa me notou, aliás elas me sentiram, mas não sabiam que era eu... ah, também não posso culpa-lás, quem se importa com apenas um vento frio... Hoje eu vi o padre rezar minha missa de um ano de falecida, ou seja, hoje eu comemoro um ano de morta... Um ano de puro frio...
Eu tinha 19 anos quando morri, na verdade quando desapareci... Eu nunca consegui saber o que aconteceu comigo naquele dia,no dia em que eu morri, mas eu lembro que estava voltando da faculdade e chovia, a única coisa que eu nunca esqueci foram aqueles olhos negros olhando para mim... Nunca voltei tarde para casa sem avisar minha mãe, ela ficou preocupada e quando era por volta da meia noite eu vi meu irmão descendo da moto desesperado e indo para a minha faculdade, ela estava vazia, como uma lata de condensado que uma criança acabou de comer. Foi somente depois de dois dias que me acharam, não, não, deixa eu falar de novo, foi somente depois de dois dias que acharam um corpo morto, um corpo totalmente vazio,por que eu não estava mais lá, logo na verdade, nunca me acharam...
Eu fiquei perdida por muito tempo... Minha mãe sempre colocou rosas em meu túmulo, nunca gostei das rosas, eu gosto de flores Narciso, mas eu nunca contei isso para ela, deve ser por isso que ela sempre leva rosas... Meu pai, nunca conversou comigo depois que parti, mas meu irmão mais velho fala comigo sempre, eu escuto ele perguntando para mim por que eu fui, eu respondo para ele, mas ele nunca me escuto...
Eu odeio o homem de olhos negros, ele roubou tudo de mim e o mais irônico nisso tudo é que o homem que me matou reza na minha missa hoje... Ele está tranquilo, sabia que nunca iriam descubrir... Sabe eu não ligo... Um dia ele será punido, tudo morre nessa vida... As flores, os passaros, os amigos, os inimigos... tudo...
Hoje eu decidi ir embora... de vez... Não quero mais ver as coisas que não posso tocar... Meu pai falou comigo hoje, eu esperei ele tanto tempo... Uma nova vida foi construida depois da minha partida, e sabe, por um lado eu fico feliz em saber que de certo modo, a minha morte não afetou nada no mundo.


Taís Turaça Arantes
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Conto inspirado no filme "Um olhar do paraiso"... Misturei sentimentos meus com que eu assisti... Gostei de mais do filme, e escrevi o conto, vou postar aqui, espero que gostem.

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